Fui tímido durante muito tempo. Me senti acolhido no ensino médio e na faculdade pelos coletivos. Fiz amizades, sexo e passei um bom tempo usando drogas. Não que fosse assim o tempo todo, apenas noventa por cento do tempo. Acabei não tomando muitas decisões por mim, pois as decisões certas sempre eram feitas em grupo e para o grupo. Neste período, deixei algumas paixões minhas de lado. Acreditei fielmente que tais paixões eram parasitas, venenos que meu egoísmo e vontade de poder disseminavam para oprimir a tudo e a todos; e o pior, já nasci assim. Eu diferenciava características entre os sexos, os povos e as culturas. Tais diferenças não existem, diziam eles, apesar de afirmarem fielmente que um tipo de cultura, um sexo e certos povos eram as fontes dos males do mundo. Como eu me encaixava nas características do inimigo, eu não tinha permissão para discutir certos assuntos. Ora, uma ideia, pela sua própria condição, está sujeita à lógica. A razão é o instrumento para explorarmos a lógica. Sendo humano, você tem a capacidade de utilizar a razão; portanto, pode participar de tal brincadeira. Sendo assim, qualquer ideia pode ser discutida por qualquer pessoa. Apesar do ambiente ser de discussão de ideias, a lógica era atirada ao lixo e a masturbação grupal se iniciava. Mantendo uma hierarquia, claro. Não era chamada desse jeito, pois, segundo eles, as hierarquias se formavam em sistemas opressores. Bom, parece uma pista bem explícita sobre qual fim a organização hierárquica desses grupos tem.
Minha função era a de servir ao movimento que queria minha extinção e a moeda de troca era o afeto. Hoje, digo que esta é a escravidão moderna: me fizeram acreditar em uma ficção, me sujeitando às chibatadas, insultos e à disseminação forçada dessa estória. Na verdade, não é uma escravidão. Me lembro de ter lido sobre cultos e esse meu caminho teve um trajeto semelhante ao de diversos alienados, guiados para a sujeição a algum coletivo. Começam com um movimento acolhedor. Fazem a imagem de si ser perfeita e a do resto do mundo, imperfeita. Aos poucos, introduzem obrigações que você vai seguindo, pois se sente tão imerso naquele universo que qualquer afronta seria rasgar o próprio tecido da realidade. No início, sutil. A cultura foi o primeiro alvo. Desde a vestimenta até as músicas. Depois, as palavras que eu deveria ou não usar. Em seguida, os assuntos que eu poderia ou não debater. Os abusos comigo não foram sexuais, como acontece com muitas mulheres nos cultos, mas sim psicológicos; afinal, sou homem. Nem ao menos havia a necessidade do abuso sexual, pois a libertinagem era disseminada de um jeito que a lascívia era uma norma; até mais que isso, uma arma para a guerra que estava ocorrendo.
A filosofia sempre foi uma paquera minha. Flertava vez ou outra, deixava de lado e depois voltava para seus braços. Um relacionamento abusivo? Se algo que saísse dela se declarava oposto ao modelo do coletivo, era sim. Bom, me faziam acreditar nisso.
Nesses tempos de estudo, deixei essa paquera de lado. Irônico, não? Justamente no período para deixar a dialética clássica das ideias fluir, me fechei e fui reacionariamente revolucionário. Deixei de questionar, deixei de pensar por mim mesmo. Será que as coisas que defendi (será que defendi? Escolheram para mim o que defender?) são as que eu realmente deveria apoiar? Pensei no “leap of faith” de Kierkgaard. Me colocarei para refutar as coisas que sou contra, utilizando a inconsistência dos próprios materiais do inimigo. Nada melhor do que quebrar as pernas do oponente usando o próprio peso dele. No final, quem caiu foi eu.
Muitas das matérias que comecei a ter algum contato eu nem ao menos poderia conversar durante as aulas. Eram conhecimentos desnecessários para a engenharia social; pelo menos, para a deles. A diversidade, colocada como a principal bandeira desses grupos, não poderia sair da “Janela de Overton” do grupo; qualquer outra coisa, era descartada como conhecimento do inimigo e toda sua potência como conhecimento, se dissolvia como fumaça. “Não deslegitimem o discurso do outro!”, ao mesmo tempo que o faziam com frequência. “Chamem o outro do que nós somos. Falem que eles fazem o que nós fazemos”; tal frase resume um pouco uma das estratégias. E como ela funciona bem. George Orwell, no livro “1984”, disserta sobre o duplipensamento: a capacidade de acreditar fielmente em duas ideias contraditórias. A dialética marxista é feita para isso: uma máquina de produção em massa dos duplipensamentos; uma maneira psicótica de solucionar as dissonâncias cognitivas. Por isso tal estratégia funciona tão bem: as pessoas acreditam em tais paradoxos, tendo os elementos a priori da organização epistemológica defendida bem delimitados. O interessante é que, com isso, a união almejada entra em ruínas. Cada pessoa e cada grupo faz suas próprias deduções utilizando a dialética marxista e, como é de se esperar, sínteses antagônicas se formam. Assim, os maoístas se tornam inimigos dos sociais-democratas etc. etc. Poderíamos dizer que isso também acontece graças ao fato de não existir um monopólio da verdade instituído, isto é, a informação corre solta, livre, descentralizada. Eis o efeito: pessoas explorando os conhecimentos e chegando em conclusões diversas, mesmo dentro de um sistema tão fechado de ideias. Não é à toa que qualquer instituição como o MEC é feita para emburrecer, padronizar, calar, domesticar. Educação e cultura não dependem do estado (sim, com “e” minúsculo. Se “indivíduo” não tem sua inicial maiúscula, por que “estado” deveria ter?). São elementos que surgem e se modificam pelas interações sociais, e só por meio delas que se formam agrupamentos sociais harmônicos. Tal harmonia provém da diminuição de conflitos. Mas e a lei, é algo completamente mutável entre as culturas? Depende do seu objetivo. O Libertarianismo propõe que, se o objetivo for diminuir os conflitos, a lei geral entre os povos deve ser a da propriedade privada. Dentro de suas propriedades, cada pessoa pode desenvolver seu sistema de leis, contanto que não contradiga a lei geral. Por que defender a lei da propriedade privada? Não seria justamente ela a origem de todos os problemas? Existem ideias melhores que outras e a propriedade privada é, com certeza, uma das melhores que já existiram. O mundo ocidental se baseou em tal ideia para garantir a liberdade de indivíduos de todas as etnias, religiões, cores e sabores. Quer se relacionar, no sentido mais amplo possível da palavra, com pessoas x, y, z? Fique à vontade, só não obrigue outras pessoas, fora de sua propriedade, a fazerem o mesmo. Percebem que assim, cada um tem que lidar com a diferença do outro e aprender a coabitar? Não é à toa que fora da influência Ocidental, como na África e na Ásia, diversos sistemas autoritários ainda reinam, utilizando-se dos ideais coletivistas. Enfatizo a questão do duplipensamento: os estatistas e engenheiros sociais querem a diversidade por meio da padronização, enquanto o mercado abarca a todos.
Em meus estágios, supervisores chegaram a me falar que eu deveria parar de trazer os elementos que eu trazia e instigar o debate, pois ali não era lugar para isso. Justamente pessoas com a abordagem da diversidade, de que todas as ideias são conteúdos para a discussão, que lutam contra a censura e o autoritarismo, fazem questão de silenciar o que não lhes convém. Justamente nas supervisões dos estágios, espaço feito para aplicarmos o conhecimento da melhor maneira possível, procurando a produtividade dele, ou seja, sua capacidade de ser um serviço, de atender demandas. Já fui atacado pessoalmente diversas vezes, o famoso ad hominem, tanto por professores quanto por outros civis, incomodados com a ideia de quem vivia em jaulas eram eles. Não estou falando que as ideias que defendo (pois não sofreram influência da seleção de ideias; não foi por falta de procura) são as supremas que todos têm que defender, mas sim que a postura de confrontar as ideias, de ter um encontro íntimo com o que discordamos e nos propor a mudar de ideia, por mais fundamental que ela seja para a nossa visão sobre a realidade, é mais do que necessária: é um imperativo para todos aqueles que buscam o conhecimento e/ou que buscam como solucionar problemas no mundo. Entendo, também, o impacto psicológico de tal mudança, fazendo uma analogia com a matemática: justamente pelo seu impacto no elemento em evidência para a variável “mundo”, este vira algo misterioso e, assim, promove ansiedade, medo e insegurança. As pernas bambeiam, sem saber o que é e onde está o chão. Se essa é a demanda para o conhecer, estou me propondo a passar por isso.
Claro, alguns encontros não foram com pessoas possuídas pelas próprias obsessões metafísicas. Conheci desbravadores das ideias em todos os lugares, até mesmo infiltrados nas fábricas de alienação; assim como eu estava. Diversas idéias foram transformadas, até mesmo por questões que, colocadas de maneira lógica e não afetiva, fizeram sentido. Comecei a ter uma aversão com as relações afetivas no campo do conhecimento, mas é algo para se lidar. Afinal, também tenho minhas musas. Não se deixando ofuscar pela beleza delas e estando aberto a ver, também, a feiúra, são o mínimo a ser feito
Sinceramente, minha timidez permanece, mas com uma certa cara de pau. Passei a me importar cada vez menos com opiniões pessoais acerca de mim, tendo como base as ideias que abordo. Quando há críticas sobre comportamentos, algumas vezes sou cabeça dura, mas reflito e, caso façam sentido, procuro mudar. Busco melhorar minha maneira de comunicar ideias e, principalmente, de ouvir. Para ser um bom desbravador da selva das ideias, seu facão deve ser a comunicação.
Eu li, pensei… Está confuso, por isso não curti, no fundo não entendi bem. No geral, compreendo essa coisa de coletivo e individual. Talvez procurar outro coletivo, sei lá… Mas “”A dialética marxista é feita para isso: uma máquina de produção em massa dos duplipensamentos; uma maneira psicótica de solucionar as dissonâncias cognitivas.”, nossa, isso não concordo. Tento justamente ter esta ferramenta: dialética marxista. Precisaria saber que tipo de “marxismo” você teve acesso, ou como foi tua leitura, pois vários agrupamentos que se auto-intitulam marxistas…bom, tenho desacordo. Gosto de Trotsky…
Senti amargura.
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Cara, primeiro de tudo, valeu pelo comentário!
1- Por que procurar outro coletivo se a crítica é justamente com a mentalidade coletivista? Eu não sou contra pessoas interagindo socialmente, nem que essas interações ocorram por causa de interesses similares etc. O ponto da filosofia coletivista é a supressão do individualismo, pois este é justamente o que causa fragmentação e impede a sonhada “união”. Pela nossa condição de organismos descentralizados, ou seja, cada um tem uma organização genética, vive em locais diferentes, tem histórias de vida diferentes etc., formar uma mentalidade homogênea é, por si só, excluir todas as interações únicas que cada indivíduo tem, com a finalidade de promover “igualdade”. O coletivismo vai contra a própria Natureza.
2- Sobre a dialética marxista: qual a diferença dela com a dialética clássica? Nesta, a síntese pode chegar na conclusão de que a tese ou a antítese são falsas. Ambos os elementos (claro, diversos outros que vão sendo levantados como teses e antíteses) não têm obrigação nenhuma de se manter na síntese. Já na dialética marxista, os princípios socialistas irão se manter, não sendo questionados sobre suas falseabilidades. Retomando questões levantadas no trecho “1” acima, desde Marx, surgiram diversas escolas marxistas: Frankfurt, Maoístas, Leninistas, Castristas etc. etc. Com todos os agrupamentos marxistas que tive acesso, nenhum deles estudou sobre o mercado a não ser pela perspectiva marxista; por quê? Devido à dialética marxista que os impede de explorar outros campos filosóficos, metodológicos, epistemológicos etc.
Pode ser que, realmente, esse foi um contato limitado ao ambiente que estudei. Pelo contato com outras pessoas que estudam/estudaram em outros cantos do Brasil, sejam elas defensoras de ideias da esquerda, direita, libertários etc. tiveram experiências semelhantes.
Retomando e concluindo, o marxismo é adotado como verdade incontestável e reproduzido como tal. A dialética clássica colocaria esse axioma sob pressão, ao invés de sepre utilizá-lo como chão.
3- É um pouco disso o meu desabafo: no momento que me propus a utilizar da dialética clássica e não a marxista para investigar elementros econômicos, sociais, psicológicos, enfim, sobre o conhecimento e o homem, me deparei com outras escolas de pensamento. Se eu partisse da dialética marxista, não teria realmente ouvido o que eles tinham a dizer. Ao ouví-los, mudei de ideia.
4- Também senti amargura.
Espero ter sido claro no meu comentário. Me deixo disponível a continuar a conversa.
Abraços!
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Ainda pensando…
Tenho quase 59 anos. Sempre vivi em coletivo: grupo de amigos, partidários, políticos, sindical, universidade, casamento… Nos últimos 15 anos fui rompendo com tudo, as instituições me aprisionavam, rompi com tudo, aos poucos. Meus últimos dez anos me construí na solidão. Pra mim foi e é melhor. Sinto-me livre. No entanto me aproprio do coletivo, uso como ferramenta…. dialética, eu acho, ou um tempo para me reconstruir… não sei. Sei que está bom.
Escrevi isto para dizer que, talvez, entenda um pouco tua escrita…
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Fico muito feliz que eu tenha proporcionado uma boa reflexão!
1- Quando me refiro ao coletivismo, não falo sobre agrupamento de pessoas. Aqui, uso o sentido filosófico adotado por instituições que diluem a individualidade e formam um agrupamento que exclui as diferenças individuais. Aliás, não digo que são apenas instituições de esquerda que fazem isso. Diversos grupos considerados de direita também têm essa mesma configuração de atentar contra as liberdades individuais em prol de uma “moral coletiva”; como vários fundamentalmente reacionários e religiosos.
Quero pontuar que não é todo agrupamento de pessoas, seja pelos motivos x, y ou z, são coletivistas.
2- Eu também interajo socialmente. Aliás, é até mais saudável. Pois, no meio social, aprendemos a negociar com os diferentes; às vezes, conclui-se a negociação com “não iremos nos relacionar”, e tudo bem que isso aconteça. Não agredindo propriedades alheias porque você discorda de certos elementos culturais, físicas ou qualquer outra coisa, tudo bem. Assim que a ordem espontânea de uma sociedade de mercado vai se estruturando. Não é rápido, não é ideal (no sentido utópico da palavra), mas é real.
Agradeço o comentário!
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Entendi seu ponto de vista. Acredito que você está passando por essa transformação da “Nova Era” que todos estamos. Você acabou descrevendo exatamente o que uma grande parcela de pessoas está sentindo…
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Brother, exatamente! Não é à toa que o Jordan Peterson, por exemplo, se espalhou tanto. As pessoas estão passando por essa fase, pois o próprio instinto de explorar o desconhecido está falando mais alto que os outros gritos que tentam silenciar isso com todas as forças. Além do uso da racionalidade, claro.
Valeu pelo comentário!
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Excelente.
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Adorei!
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Parabéns pela coragem do depoimento! Bom trabalho!
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Não de novo.
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Publicado por Juan
Incrível esse texto. Comentei lá na revista!!!! Bem vindo.
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