Van Gogh não se sentou sob o céu de uma noite estrelada para pintar somente aquilo que via, pois ele sabia muito bem que o propósito de um grande artista é, antes tudo, encontrar e satisfatoriamente expor o que há de extraordinário naquilo que a maioria das pessoas trata como banal. Para alcançar isto, decidiu sobrepor os próprios sentimentos sobre aquilo que pintava. Materializava nas telas uma mistura entre a realidade e aquilo que sentia.
Naquela noite, esta forma de se pensar e fazer arte resultou no descortinar de uma beleza para além de um céu estrelado. Na direção das pinceladas, estava a percepção de todo o universo em movimento e no exagero das luzes, a refração dos raios nas lágrimas dos olhos de alguém que toma consciência da beleza que é ser testemunha de tal imensidão.
O que mais me agrada nesta pintura é a melancolia do tema. A sensação de estar realmente só. A irrelevância da nossa história e do nosso mundo em comparação ao restante do cosmos. Um existencialismo astronômico concretizado numa tela repleta de sentimentos.
A beleza da melancolia não é o fato de senti-la, mas aquilo que a acompanha: um estado de espírito propício à auto-reflexão e consequentemente, à filosofia.
Existem alternativas menos tristes para alcançarmos este mesmo estado. Por exemplo, quando uma mãe se debruça sobre o berço do próprio filho para admirar a continuidade da vida. Mas se tratando de arte, prefiro a seriedade da melancolia à embriaguez da felicidade. A fase azul de Picasso, Ivan de Ilya Repin, Ugolino de Carpeux, Hamlet de Shakespeare e Tabacaria de Fernando Pessoa.
Quando me perguntam o que gosto de escrever, a única resposta possível é nada. A escrita para mim é como uma responsabilidade, um fardo, um exercício intelectual indispensável para o desenvolvimento das próprias ideias. Seja ficção ou não, me colocarei sempre na exigência de escolher as melhores palavras, as melhores frases e a melhor linha de raciocínio para se constituir uma ideia ou expressar um sentimento. E o motivo não é a narração perfeita de uma história, mas a exposição da minha consciência à sensibilidade das palavras, dos sinônimos, da ordem dos parágrafos e das sentenças.
Os meus poemas, quando prontos, me retribuem com o prazer mais duradouro que qualquer outro gênero. Investigando os motivos, me deparei com óbvio: é porque eles me garantem a sensação de estar percorrendo o caminho dos grandes escritores.
Não há prepotência em assumir esta caminhada, pois não me interessa a percepção de que cheguei lá. O ponto principal é me encontrar numa estética agradável. Uma estética que força o meu potencial dentro da minha forma de pensar o que é arte.
Minha estética se resume a exposição do que há de extraordinariamente trágico naquilo que é extremamente simples. É a tentativa de trazer a tona o que há de profundo na existência através do uso de metáforas, comparações. Quando o eu-lírico de Tabacaria, ressentido por não ter vivido de forma significativa, compara a si mesmo com um cão tolerado pela gerência por ser inofensivo, ele está fazendo exatamente isso. É o descortinar de uma relação que pode existir entre um sentimento profundamente complexo e algo completamente banal, que esteja sobre sua cabeça ou bem embaixo do seu nariz.
Muito legal! Penso parecido. Tive a sorte de ver a noite estrelada no Moma. É pequeno demais, para minha surpresa!
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Prazer em te conhecer, Marcos! A obra ” Starry Night” também me transporta!! Ah e Parabéns pela sua escrita, muito bela!
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Também tenho esse tipo de sensação quando escrevo e releio. Uma experiência que você expressou muito bem. Quando escrevo a emoção e o fascínio sobre a comunicação e o conhecimento parecem ficar impregnados ali. E poder revê-los é como alimentar-se deles.
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Muito bom Marcos! Obrigada!
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… magnífico. … adorei a embriaguez matutina que me fez sentir com as suas palavras, e sem dúvida minha companheira de sempre a melancolia agradece junto. Salve salve ! fugitivo de letras somos dois.
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