Disciplina

É preciso lembrar-se sempre: O ser humano, antes de tudo é um animal… E como todo e qualquer animal, ele está pareado com seu instinto. Nosso instinto só entende de imediatismo — nosso sistema nervoso foi selecionado para reagir ao ambiente e passar seus genes, depois por algum acidente começamos a perceber padrões muito além de qualquer outro animal… Com um reconhecimento de que certos eventos são contingentes à outros, e pela percepção de que as coisas se transformam, mudam e depois desaparecem, esse animal chamado “Homem” descobriu o futuro. Com isso ele ganhou uma chance de tentar modificar seu presente. Se você pudesse voltar no tempo e modificar algo no seu passado para mudar seu presente para melhor, você não o faria? Nós temos uma capacidade parecida. Podemos reconhecer padrões que levam para uma vida bem-sucedida e padrões que levam para uma vida fracassada. É claro que as definições para uma vida “fracassada” e “bem-sucedida” mudam de cultura para cultura, porém todos temos que concordar que existem esses dois caminhos (é provável que o zen-budismo discorde). A minha cultura como indivíduo define uma vida bem-sucedida sendo aquela que explora ao máximo suas capacidades inatas, sua “potência”, por assim dizer. Que eu conheço, o Aristóteles foi o primeiro a ter essa ideia. Nós sabemos que existe uma potência em nós, todos temos vislumbres desse nosso eu elevado à sua máxima potência — como se fosse nossa máxima evolução como indivíduo. O que a disciplina tem com isso?

É com a disciplina que chegaremos a sentir que chegamos lá, que nossa máxima potência foi realizada. Se isso não acontece e não é buscado, temos um indivíduo infeliz e neurótico, que vive em suas fantasias, e não na realidade. Sobre a disciplina, temos que exercer dois tipos: a positiva e a negativa. A disciplina positiva é aquela que temos que nos impor para fazer algo, seja exercício, arrumar a cama, treinar piano, ou lavar a louça. Já a disciplina negativa é aquela que em que temos que evitar a ação, seja evitar falar com alguém que constantemente nos decepciona, seja evitar fumar cigarros, seja evitar ir para uma balada quando há prova no dia seguinte. Ou seja, disciplina positiva: há o fazer; disciplina negativa: há o não fazer.

Contudo, para querermos ser disciplinados, temos que ter pelo menos mais que 50% de certeza em relação ao caminho que queremos trilhar. Temos que saber qual o sonho que queremos perseguir, qual a nossa paixão. Temos que nos conhecer, no mínimo mais que 50% de nós mesmos… Se não nos conhecemos, nosso suposto sonho pode estar apenas 50% certo, ou menos. Não é uma aposta que queremos participar, certo? A não ser que seu sonho seja testar sua sorte. Para conhecermos nós mesmos temos que nos expressar e depois refletir sobre nossas ações — ou ter alguém que reflita para a gente (necessariamente alguém tem que ter refletido primeiro sobre alguma ação sua e depois ter falado para você, para que você venha a adquirir tal repertório, pois o comportamento verbal de refletir sobre si não é inato, mas adquirido). Enquanto escrevo isso, por exemplo, conheço com mais certeza alguns traços em mim que percebo através de pensamentos nunca ditos, sentimentos nunca expostos, sonhos nunca contados à alguém. Enquanto cravo minha alma nesse documento, eu posso observar e reagir, refletir sobre mim mesmo. Entretanto, posso argumentar que amanhã há uma probabilidade de eu ler o que estou escrevendo aqui e odiar tudo isso, afinal o indivíduo está em constante mudança, né? Eu posso rebater esse argumento falando que ninguém muda de uma hora para a outra do nada. Todo mundo tem uma história. Há em cada um, milhares de motivos do porquê são como são. Cada um de nós já temos uma bagagem biológica selecionada pelo ambiente por milhares de anos. Nossos limites são definidos pelas nossa história evolutiva. Não tem como sabermos a sensação de bater uma asa de pássaro, ou saber o que os cachorros percebem com o faro. Nossa história evolutiva fez nossa capacidade de reconhecer padrões e descobrir suas relações ser maior do que a de qualquer outro animal. Que outro animal tenta entender o significado do que estou dizendo? Hum… Certamente os domesticáveis. Há isso também: somos animais sociais e estamos dentro de uma hierarquia social, e como toda e qualquer hierarquia, deixamos-nos ser domesticados por aqueles superiores à nós (talvez com um rancor velado). Contudo, para nós há milhares de hierarquias… Com os animais, geralmente o macho que for o mais forte está no topo da hierarquia e ele domina todo o resto. Com nós isso já aconteceu em tempos primordiais, porém desenvolvemos muitas outras hierarquias. Hoje um pianista prodígio pode estar nivelado na mesma posição de alguém pertencente à uma outra hierarquia que não a de “pianista” (o capitalismo permite existir uma variedade absurda de hierarquias — e isso é bom). É claro que numa luta corpo a corpo, o que for o melhor na hierarquia da luta ganhará. Porém hoje em dia isso não conta mais muito. Hoje em dia a principal luta é a de aquisição de bens e dominar territórios, podendo essa dominação ser também social, basta pensarmos nos astros de Hollywood, que não dominam territorialmente uma porção de terra equivalente a um país, porém dominam socialmente nações inteiras. E é claro… Há outra luta, uma biológica: reproduzir-se. Contudo o ser humano consegue enganar esse instinto (nem todos), apenas vivendo de uma promiscuidade estéril; ou ainda, há aqueles que não sentem atração sexual (as pessoas assexuadas) e que podem se dedicar mais ainda à hierarquia escolhida. Para sermos disciplinados, temos que saber em que hierarquia temos que entrar para competir. Se ficamos pulando de hierarquia em hierarquia — como um macaco que pula de galho em galho –, não dominaremos nenhuma hierarquia e ficaremos em posições inferiores em todas elas. Por isso é bom escolhermos uma (há quem consegue dominar mais de uma, porém essas pessoas são superdotadas) e nos dedicarmos completamente à escala-la. Para escalarmos, é inevitável o que? Ter disciplina; não parar de afiar os comportamentos indispensáveis para o pertencimento à determinada hierarquia. Por exemplo, na hierarquia do desenho, os comportamentos indispensáveis são aqueles necessários para criar a ilusão de forma, luz e cor para representar a realidade em algum meio físico, como um papel, tela, monitor do computador, ou até mesmo na parede de uma caverna. Você quer melhorar os comportamentos que permitirão você expressar ao máximo sua habilidade de representação da realidade (sua realidade “intrínseca” faz parte da realidade também) pelo meio visual. É claro que para sobreviver, você também precisa não estar lá em baixo na hierarquia do fazer negócios, e na do socializar também (isso se você não ter ninguém para te bancar!), afinal, você pode ser o melhor artista do mundo, mas se você não conseguir vender nenhum quadro, você morrerá de fome (a não ser que você seja um deus das artes e da bandidagem).

Meu último ponto será que é necessário um contra-peso em relação à disciplina. Se você não relaxa, compartilha seus momentos com outras pessoas, acha graça na vida, é capaz que você venha a se tornar muito amargurado, triste, pois a disciplina corre o risco de virar uma obrigação sem sentido. Então, resumindo para concluir:

1º: ache uma hierarquia que você quer dedicar sua vida para se encontrar no topo dela.

2º: saiba bem os comportamentos indispensáveis para pertencer à hierarquia (se prestar atenção, eles te guiarão para os treinos necessários para escalar a hierarquia).

3º: discipline-se.

4º: encontre contrapontos para a disciplina.

5º: comece a sentir que a vida é boa, pois está realizando seu potencial (Aristóteles se orgulha de você).

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Publicado por Arthur P. Lorenzo

Psicólogo, musicista, escritor amador.

5 comentários em “Disciplina

  1. Olá! Passando aqui para te ler e agradecer a subscrição na minha página 🙂 agradecida demais! Ótimo post. “Disciplina” me lembra os versos que Renato Russo canta: “disciplina é liberdade”, e ô se é. Ainda mais quando a gente sabe o que quer e consegue equilibrar os pratinhos.
    Abs,
    Iza

    Curtido por 1 pessoa

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